segunda-feira, 16 de março de 2009

Sobre o MPP (1)

Até agora eu preferi abordar quase que somente minha vida extra-acadêmica aqui no blog, primeiro porque eu considerei que seria mais interessante para os leitores, segundo porque eu ainda não havia terminado totalmente as aulas para poder passar as impressões, e terceiro porque devido às aulas e trabalhos, e não tinha tempo para isso. Agora que as aulas acabaram e me resta somente a tese, eu tenho mais condições de falar um pouco sobre Master in Public Policy. Decidi escrever sobre isso também porque há pessoas que acharam meu blog por Google e quiseram saber um pouco mais sobre o programa.
Como diz os catálogos e os flyers, as principais características do programa são: interdisciplinary, accredited, taught in English, practice oriented. Sobre as três primeiras, não é necessário acrescentar muito mais. A principal especificidade do programa está na quarta.
O propósito do programa não é formar pessoas para dar aulas em universidade, fazer pesquisas ou escrever artigos em journals, e sim preparar pessoas para posições que exigem tomada de decisão em qualquer instituição que crie valor público, podendo ser o setor público, organizações não governamentais, organizações internacionais ou mesmo empresas privadas. Em poucas palavras, o MPP é para quem quer fazer algo de concreto para change the world. Portanto, algumas das disciplinas exigem trabalhos que não são simplesmente uma mera análise de um assunto de uma perspectiva da torre de marfim, e sim uma proposta de ação para um suposto cliente que tem competência para tomar tal ação. Treina-se muito a escrita de memorandum. Valoriza-se muito a prática de soft skills. Este tipo de Mestrado em Políticas Públicas não é muito comum na Europa. Na Alemanha, um equivalente só é encontrado na Hertie School of Governance, em Berlim. Muitas universidades dos Estados Unidos têm este tipo de programa. O MPP da Universidade de Erfurt é inspirado no da Kennedy School of Government, da Universidade Harvard.
O primeiro semestre teve como disciplinas obrigatórias principais Introdução às Políticas Públicas, Análise Quantitativa e Teoria dos Jogos, e como disciplinas auxiliares Comunicação para Ambiente Profissional e uma revisão matemática. O curso de Introdução é bastante interessante: grande parte dele é feito em estudos de casos reais, em que existem problemas concretos que envolvem políticas públicas e os estudantes discutem soluções em sala de aula. Embora existam livros-texto de políticas públicas, eles não são utilizados. As únicas leituras teóricas são artigos em journals sobre os problemas dos casos a serem discutidos. Praticamente não existe aula expositiva. O curso de Análise Quantitativa é um mero curso de estatística básica. Achei o método de ensino deste um pouco falho. A classe foi dividida em grupos e cada grupo apresentou um capítulo de um livro-texto de estatística. A avaliação foi um trabalho em que deveriam ser utilizados os conceitos de estatística em uma pesquisa empírica, com o SPSS como ferramenta. Para mim, estatística deve ser ensinada pelo método mais tradicional: aulas expositivas, listas de exercícios e provas. Mas isto não foi problema para mim, pois já tenho uma base em estatística. O curso de Teoria dos Jogos foi muito bom. Teve aulas expositivas sobre todos os principais aspectos da teoria, uma prova e um trabalho em que os grupos deveriam mostrar um caso de aplicação prática. Já falei sobre isso em um post anterior aqui no blog. O curso de Comunicação para Ambiente Profissional consistia no ensino de escrita para trabalhos acadêmicos, com destaque ao ensino de citação de terceiros, algo que é muito importante e não muito elementar. Também ensinou-se a escrever policy paper, memoradum, press release e discurso. A revisão matemática incluía quase todo o conteúdo de matemática de colégio e mais um pouco de cálculo diferencial e integral. Bem fácil para quem estudou economia.
O segundo semestre teve como disciplinas obrigatórias Gestão Pública Estratégica, Finanças Públicas e Análise Econômica. O curso de Gestão Pública Estratégica foi basicamente sobre o New Public Management, um conceito que teve seu auge nos anos 80 e 90 e hoje alguns de seus aspectos já estão virando um pouco old. Incluía parceria público privada, gestão baseada em resultados, introdução de competição entre agências governamentais, introdução de métodos de avaliação da gestão pública, substituição de mecanismos de comando por mecanismos de mercado, e governo eletrônico. O curso de Finanças Públicas foi o pior de todos. Ao invés de se utilizar livros-texto conceituados, como o do Musgrave, foi utilizado um livro coletânea de artigos editado pelo próprio professor, que não se deu o trabalho de dar aulas. A classe foi dividida em grupos, e cada grupo foi incumbido de apresentar um artigo. Como muitos alunos não eram da área de Economia, e estavam recém-familiarizados com o assunto, muitas das apresentações não ficaram muito boas. O livro não ensinava os princípios básicos de finanças públicas para leigos entenderem. O que o livro fazia era discutir alguns princípios de finanças públicas através da public choice theory para doutrinar que o Estado era ruim e ineficiente, e que por isso, precisava ser pequenininho. O professor, dando aulas em uma universidade estadual e agindo de forma ineficiente, acabou dando um bom exemplo da teoria que ele mesmo quis ensinar. O curso de Análise Econômica foi nada mais do que um curso básico de Microeconomia. Foi utilizado o manual do Mankiw para a maioria dos tópicos e o do Stiglitz para os tópicos sobre a necessidade do setor público lidar com as falhas de mercado: informação assimétrica, externalidades, bens públicos e monopólios. O ensino foi bem tradicional, ótimo para os leigos aprenderem bem os conceitos básicos: aulas expositivas, prova no final.
O terceiro semestre teve como disciplinas obrigatórias Ética no Setor Público, Liderança, e um projeto de grupo. A aula de Ética foi dada em bloco, de duas sextas e dois sábados de manhã e de tarde cheias, porque quem deu as aulas não é um professor profissional e tem poucos dias disponíveis. Ele é um cientista político formado pela London School of Economics and Political Science e sua ocupação principal é formular códigos de ética para empresas privadas. A contratação de professores com estas características ocorre devido à intenção da ESPP de ter gente com perspectiva não exclusivamente acadêmica. O curso se baseou na leitura e discussão de A Theory of Justice, de John Rawls, e afins. Foi bastante interessante. O curso de Liderança foi dividido em duas partes: a primeira, sobre como os estudantes podem desenvolver capacidades próprias de liderança, a segunda, um mini-curso de negociação e mediação, com um professor que trabalha em uma organização de mediação de conflitos. Para o projeto, a classe foi dividida em quatro grupos e cada um trabalhou propondo soluções para organizações que estabeleceram parceria com a ESPP. Um grupo trabalhou com a Câmara Alemã de Comércio, discutindo o acordo comercial da União Européia com a Índia e a Coréia do Sul, do ponto de vista do interesse das empresas alemãs. Outros dois grupos trabalharam com uma organização em Berlim que lida com governo eletrônico. Meu grupo trabalhou com a prefeitura de Erfurt, falando sobre melhorias para o Orçamento Participativo. Já falei sobre isso em um post anterior.

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